No dia 30/11/22, nós transmitimos a livestream “Como implementar a cultura de dados”, que contou com a presença dos convidados Darlan Leocádio (Gerente Industrial na M. Dias Branco) e Carlos Simões (Gerente Corporativo de Digitalização Industrial na M. Dias Branco) que trouxeram suas experiências sobre este tema;
Você pode assistir a transmissão ou ler a conversa na íntegra neste blogpost. Boa leitura!
Sumário de conteúdo
- Cultura dados na M. Dias Branco;
- Primeiras impressões da ST-One em ação na fábrica;
- Como criar cultura de dados nas indústrias?
- Como funciona a implementação de tecnologias 4.0?
- Pontos chaves na implementação da Cultura de Dados;
- Benefícios da Cultura de Dados;
- Dicas práticas para implementação da Cultura de Dados;
- Estratégias para conseguir convencer e engajar lideranças;
- Cruzamento de dados entre áreas da empresa.
Cultura de dados na M. Dias Branco
Guilherme: Para a gente começar, eu queria puxar um pouquinho sobre cultura de dados. O meu objetivo não é entrar muito na definição formal, mas eu queria trazer um pouquinho do que é essa cultura de dados. Por que esse é um tema importante? Por que tem se falado nisso? Se conecta um pouco com outros temas que estão em voga, como indústria 4.0, como digitalização. Eu, pelo menos, entendo a cultura de dados como uma forma de pensar, um jeito de agir em que se utiliza primariamente dados para tomar decisões. Então, gerir uma fábrica principalmente, gerir uma indústria, uma corporação, não é uma tarefa fácil, tem vários desafios. E uma das formas de poder tomar essas decisões, de ter essa frente, é justamente ter dados que possam embasar as pessoas a tomarem as decisões corretas. Usando dados não é a única forma, tem muita experiência, muitas outras formas de tomar decisão também, mas eu acho que trazer dados para tomar essas decisões de forma correta, eu acho que é uma forma muito assertiva e um pouco dos benefícios e desafios é o que a gente quer conversar aqui hoje.
E aí, Carlos, você é a pessoa responsável por trás dessa área de transformação digital dentro da M. Dias Branco. Existe essa frente hoje, uma área específica, uma célula dentro da M.Dias hoje dedicada a isso, né? Por que é importante, do seu ponto de vista, essa cultura baseada em dados?
Carlos Simões: Essa história começou lá em 2018. Não é de hoje que a gente está observando esse movimento que está acontecendo, a gente entendeu que precisava avançar nessa cultura de dados. Nós temos muitas operações que acontecem simultaneamente, a gente está falando de 17 fábricas. Então, a gente percebeu uma necessidade cada vez maior de tomar decisões mais assertivas se baseando em dados. As pessoas às vezes têm muita experiência, mas elas, às vezes, não têm uma visão muito clara do que de fato está acontecendo no chão de fábrica, porque não têm a informação ali online em tempo real. É a tal da síndrome do retrovisor, né? Você sempre olha o dia anterior. E a gente se incomodava com isso, a gente ficava bem incomodado. “Pô, mas a gente vai olhar o dia anterior, mas o dia anterior não necessariamente vai ser igual ao dia de hoje.” Então, partiu muito nessa direção e aí começamos a buscar algumas opções no mercado. Isso foi aí em plena pandemia, né? 2020. E aí a gente conheceu vocês numa live, foi bem interessante.
Nós começamos a pensar seriamente em colocar para fazer um teste. Eu abordei o Darlan na época e falei: “Darlan, a gente tem aí um módulo aí para colocar num painel elétrico e pegar dado de CLP e começar a coletar dado. O que você acha da ideia?” E assim meio despretensiosamente, mas sabendo da necessidade de coletar dado, sem saber o resultado que a gente ia ter, a gente avançou nessa direção. E aí, passo a palavra até para o Darlan, se ele puder falar um pouquinho de como é que foi essa experiência no início, porque foi um pouco na dúvida ali, se vai ou não vai… como é que vai ser… [a gente] chama a TI?… nós não tinhamos algo tão estruturado na época como a gente tem hoje, hoje está bem mais estruturado, aprendizado, experiência, mas na época a gente não tinha isso muito estruturado e foi uma surpresa bem interessante. E aí veio o que veio.
Guilherme: Acho que o Darlan foi a primeira pessoa que teve oportunidade, pelo menos entre a nossa parceria, de poder experimentar isso. Como é que foi, Darlan? Como é que foi a experiência para você? E também, o que isso trouxe de novo para você nessa jornada de dados? Porque, querendo ou não, foi uma quebra de paradigma de alguma forma.
Darlan: Na verdade, a gente já falava disso há um tempo, como Carlos citou. Eu sempre gostei muito de processo industrial, sempre teve muita importância isso. E quando o [Carlos] Simões mostrou a primeira apresentação que ele me fez da ST-One, quando eu li, eu disse: “olha, eu quero ver, eu quero checar esse negócio”. Eu realmente não tinha ideia do que seria, né. E [de início] a gente pensou “vamos fazer um piloto aqui na planta”. Então nós fizemos junto com a área do Simões (da engenharia) e da nossa área de TI, montamos um grupo de trabalho e colocamos alguns módulos desses na planta. E eu li muito bem que a gente começou isso em março de 2021, né. Nós colocamos os módulos na planta, ligamos todos, passamos a bola para vocês, vocês foram coletar os dados e a gente disse “olha, daqui a duas semanas vocês vão passar informações para a gente de quantos dados a gente tem coletado”. Eu imaginava que ia chegar a mil dados, dois mil dados, alguma coisa desse natureza. E eu lembro muito bem que o primeiro dashboard que vocês desenharam, a gente recebeu 35 milhões de dados.
Então, foi um susto para a gente. É dado que não acaba mais. E eu disse: “Pô, agora já que eu sou milionário, vão cobrar por isso, né? O que a gente vai fazer com tanto dado?” E aí nós começamos a trabalhar em conjunto com vocês. E eu acho que um dos grandes sucessos dessa parceria foi que desde o início, a ST-One esteve muito aberta para discutir os processos com a gente. A gente tem a experiência no nosso processo, da nossa fábrica, e vocês têm a experiência com dados. Nós montamos uma equipe na fábrica, junto com a equipe do Simões, junto com a TI, começamos a montar no Stash os dashboards começamos a trabalhar. E muito rapidamente a gente começou a enxergar a diferença que era. Eu gosto muito de falar de números, eu comparo muito o seguinte: o operador anota de hora em hora as variáveis de processo, em planilha, etc, e bota em relatório. Então, você pega uma variável de processo que a gente anotava a cada hora – uma temperatura, uma pressão, uma vazão, o que fosse – a gente tinha, no dia, 24 leituras daquilo.
Com a ST-One, naquela variável, a gente saia de 24 para mais de 28 mil dados coletados. E eu fiquei curioso com aquilo, fiz até um levantamento na época, eu tenho um dado de cabeça (eu fiz a conta de quantos dados a gente coletava por ano no modelo antigo) e aí, vendo o que a gente faz hoje – nós temos, há 20 meses que a gente conseguiu trabalhar [com a ST-One] estamos já perto de 9 bilhões de dados coletados – eu precisaria de 130 anos para coletar o que eu coleto hoje em um dia, né? Então, assim, essa massa de dados, essa quantidade de informações, isso mudou completamente a nossa forma de trabalhar. Porque a gente deixou de usar apenas a experiência de cada um, e começou realmente a olhar dado, trabalhar com dado, estruturar dado, porque a gente passou a ter visibilidade do que acontece no nosso processo. Isso trouxe uma série de benefícios, que a gente pode falar daqui a pouco, mas de toda a natureza. E a grande mudança primeiro foi de pessoas. A gente, acho que de alguma forma, essa experiência na GME, ela ajudou muito nesse processo do Simões lá na M. Dias.
“…eu precisaria de 130 anos para coletar o que eu coleto hoje em um dia. Essa quantidade de informações, isso mudou completamente a nossa forma de trabalhar. Porque a gente deixou de usar apenas a experiência de cada um, e começou realmente a olhar dado, trabalhar com dado, estruturar dado, a gente passou a ter visibilidade do que acontece no nosso processos”.
Guilherme: Show de bola. Até o Carlos comentou ali que às vezes você olha no retrovisor no dia anterior, né? Isso no melhor cenário, às vezes você olha na semana anterior, no mês anterior. Então, existe um cenário bem diferente. E conectando com o seu ponto, Carlos, e já puxando um pouquinho de um próximo tópico aqui, você citou uma coisa muito importante, que é: gente. A gente brinca aqui dentro que o dado sozinho não faz nada, né? Ele não mexe em nada no processo. Ele te dá a base para poder tomar decisão para você, seja de forma automática ou manual, seja por um humano ou por uma máquina. Mas o dado sozinho, ele não vai transformar nada, então, precisa das pessoas por trás, causando essa transformação de fato. Trazendo o resultado disso. E aí, conectando um pouquinho com o tema dos desafios, eu acho que a gente teve um processo muito longo e muito legal ali na GME. A gente conseguiu colher resultados bem rápidos. Eu lembro de uma reunião de trabalho que a gente fez, não lembro exatamente qual variável, qual processo era, mas a possibilidade de poder enxergar os dados com essa resolução, com essa profundidade tão grande, mostrou ganhos para a gente de que existia um desperdício de energia, se não me engano, ali num determinado processo.
Mas essa não foi uma observação de quem conhecia do processo, de quem estava ali e tinha esse mindset, essa filosofia de olhar para o dado e tentar tirar resultado disso. Como é que você, como gestor da unidade, conseguiu passar essa mesma filosofia para o resto do time? Ou que outras dificuldades você teve nesse processo de levar isso para o resto do pessoal?
Darlan: Na verdade, acho que a gente não teve dificuldade por uma razão muito simples. O que você falou no início é fundamental: As pessoas, né? A gente é um grupo de trabalho, tinha gente muito jovem, pessoas que são muito antenadas com o tema, com a programação, com Power BI, com o Python, com o dados, tudo mais. Isso primeiro ajudou muito. A gente tem um grupo de estagiários muito forte, e esse trabalho, junto com o conhecimento que vocês tinham na metodologia nos ajudou muito. Então, isso não teve nenhum impacto [negativo], nenhuma dificuldade. Acho que a gente teve muita facilidade, porque todo mundo na fábrica embarcou. E viu claramente os benefícios que poderia ter. Muito rapidamente, muito rapidamente mesmo, nós tivemos ações de manutenção e na operação que trouxeram para a gente benefícios rapidíssimos. A gente aumentou em três meses, a gente chegou a aumentar a eficiência da gente em mais de 5% em alguns processos. A gente reduziu o consumo de energia. Quando a gente olha para 2021 e 2022, a gente teve uma redução de energia de mais de 6000%. Isso é todo fruto desse trabalho, dessa base que a gente foi montando lá atrás.
Manutenção da mesma forma. [Muitas vezes] a gente parava achando que o problema ia se posicionar em um lugar ou no outro. E aí com o dado, com a variável, a gente começava a montar as telas específicas para aquele processo junto com a manutenção, com a produção, com a qualidade, a gente discutia com todo mundo junto. Então isso virou uma coisa totalmente diferente pra gente, né? E eu acho que o grande ganho foi assim, em nenhum momento a gente teve na nossa unidade alguém pensando “ah, mas eu tenho experiência, eu faço assim”. Isso foi um momento totalmente diferente, todo mundo abraçou e a gente tocou de forma totalmente diferente. E o grande desafio pra gente foi isso: o que a gente faz com pessoas agora? Porque a gente tem que mudar o jeito de trabalhar, né? Não pode mais olhar como a gente olha para o nosso processo. Então acho que isso foi um ganho que a gente teve.
Guilherme: Acho que ter a mente aberta de que existia uma forma diferente. Então acho que, como você mesmo disse, abre a possibilidade até de achar outras formas, outros usos e outras alterações de processo de rotina que isso podem trazer. Eu acho isso bem legal e eu concordo contigo que isso, como parte do implementador, foi crucial para o sucesso.
Darlan: …A gente tem que fazer muitos testes para garantir que o produto não teria problemas na frente. E aí a gente usando isso, essas ferramentas todas, junto ao P&D, com a indústria, com a qualidade, nós montamos telas de simulação e nós mudamos a formulação do produto. Nós o tornamos muito mais seguro. Uma qualidade superior ao que a gente fazia. E baseado nisso, toda a discussão foi em cima de dados, não foi mais a gente achando que poderia ser diferente ou não, não é só a base hidrogenada que faz ser melhor ou pior, não. Foi olhando os processos, os vários processos, [com] P&D junto discutindo, e a gente fazendo teste acompanhando com dado, e testes online na linha instantânea. Então isso é uma mudança de mindset mesmo, de forma de enxergar as coisas.
Guilherme: Do P&D até a operação, manutenção, passa por tudo, né?
Darlan: Passa por tudo.
“Muito rapidamente, muito rapidamente mesmo, nós tivemos ações de manutenção e na operação que trouxeram para a gente benefícios rapidíssimos. Em três meses, a gente chegou a aumentar a eficiência em mais de 5% em alguns processos. “
Entendendo seu negócio.
Guilherme: Carlos, você teve oportunidade de tocar projetos, não só com a gente, mas com outras empresas, com outras plantas. Eu imagino que você tem uma visão com mais casos diferentes, de situações diferentes. É sempre tranquilo assim ou às vezes acontece algum problema?
Carlos: A gente já conversou sobre isso. A GME é uma planta que produz gorduras e margarinas. O nome é gorduras e margarinas especiais. Então é uma planta super importante para o grupo, é o coração do grupo. Dali saem todas as gorduras vegetais para as plantas que produzem biscoito, que produzem massas, principalmente biscoito. Quando a gente começa a implementar um projeto desse numa fábrica de biscoito, as realidades são diferentes. São fábricas mistas. Há uma fábrica que produz biscoitos, massas e torradas, dependendo da planta. Tem fábrica que tem [macarrão] instantâneo, tem fábrica que tem bolo, tem snacks, então assim, depende muito da planta. E as realidades são diferentes naturalmente. Eu, por exemplo, fico sediado numa planta que tem praticamente 30 linhas de produção. Então assim, é uma mega planta, é uma planta muito grande, e a gente tem um quadro otimizado para a operação que também tem outras demandas, tanto aqui quanto em Recife, quanto em outras plantas do grupo. Então, são realidade diferente, a gente não tem receita pronta, né? O que o Darlan falou é super importante: A gente conseguiu engajar a liderança. Na GME isso fluiu muito bem e a gente está avançando com vocês, inclusive em outras plantas do grupo, para que a gente também consiga fazer o rollout usando o que a S-One pode nos oferecer.
E aí a gente precisa ter pessoas certas nos lugares certos, né? E é um desafio, porque nem todas as plantas a gente tem o profissional preparado. Às vezes a pessoa não tem as habilidades, e a gente precisa formar pessoas, isso está acontecendo nesse momento. Na GME a gente tinha uma equipe muito interessada no tema e também qualificada. Então, em algumas plantas a gente ainda precisa ter esse processo de formação para poder alcançar os resultados. Depende muito da situação, a gente está avançando mesmo em plantas mistas, a gente tá envolvendo a liderança, conversando muito com a gestão, mas [também] levando até o chão de fábrica. Por exemplo, numa fábrica de biscoito que eu fico, a gente está colocando dashboard na saída do forno. Para quem não conhece produção de biscoito, tem um forno de 100 metros de comprimento, 1,5m de largura, e ali passa uma tonelada, duas toneladas de biscoito por hora, a gente fica fazendo o monitoramento, mais o forneiro – que a gente chama a pessoa que fica na saída do forno – e ele faz agora através de um monitor, um dashboard ali que foi desenvolvido com vocês, inclusive, consegue fazer o monitoramento em tempo real. E essa pessoa já consegue perceber como é que estão as temperaturas, como é que estão as condições de processo, se o produto está dentro da estabilidade desejada, então isso é algo que a gente vai construindo com o tempo, porém envolvendo muito a área de negócio.
Não adianta você pegar uma tecnologia revolucionária se você não entende muito do seu negócio. Fica difícil você levar isso para dentro da fábrica e as pessoas que conhecem o processo. Nós precisamos muito delas até para construir os dashboards. Então, tudo que a gente constrói hoje, no primeiro momento, vocês começaram a fazer o Labeling, e depois a gente começou a customizar de acordo com o que a gente entendia que era o mais adequado para o nosso processo. Isso está acontecendo. Então, hoje a gente constrói os dashboards com a opinião sendo dada pelo cliente da área de negócio. Ele diz para a gente (o cara que conhece profundamente a produção de biscoito) ele diz “olha, eu quero essa variável porque ela é importante para mim no dashboard, por isso, por isso, por isso”. Aí a gente customiza e coloca lá. E a gente vai construindo essa relação com eles, que é muito legal, porque o pessoal começa aos poucos a perceber o valor da ferramenta. “Poxa, mas eu não consegui enxergar isso antes. Agora acontece um problema às 3 horas da manhã e eu já consigo entender”. Mesmo chegando às 7 da manhã na fábrica, a gente consegue entender melhor porque tem o dado ali, a rastreabilidade, então fica tudo muito mais fácil.
Para a gente entender as dificuldades que surgiram, anomalias que acontecem, coisas que não estavam previstas, então é um processo.
Guilherme: Eu acho que uma coisa que a gente também sempre fala aqui é que não existem duas fábricas idênticas. Dentro do mesmo grupo, imagina fora, a gente enxerga diferença, né? Então, um desafio que eu enxergo que acontece é justamente em talvez poder fazer essa curva.
A gente enxerga diferenças. Então, um desafio que eu enxergo que acontece, é justamente em poder fazer essa curva de mudança de processos, a curva de modo de pensar, de fazer diferente. E aí uma ferramenta para isso é a gente poder quebrar isso em etapas. Eu estou trazendo uma solução que pode me trazer benefícios de produção, trazer benefícios de qualidade de uma forma geral, mas eu preciso investir tempo. Eu preciso investir uma quantidade de esforço para que isso traga o retorno. E não só do ponto de vista de tecnologia, mas principalmente de entendimento, de ir endereçando aos poucos, introduzindo o processo aos poucos. É uma forma interessante de trazer esse mindset de utilizar os dados. E a partir do momento que você está acostumado a ter aquela ferramenta para resolver o problema, começa a se tornar natural usar esse tipo de ferramenta e os dados de uma forma geral, para tomar cada vez melhor as decisões, cada vez de uma forma mais fácil.
Acho que tem alguns outros pontos interessantes também que eu tenho notado. Um ponto que é interessante é que eu acho que não existe receita pronta. Cada fábrica tem o seu cenário. E cada lugar vai ter suas peculiaridades. Darlan ou Carlos, vocês teriam pontos chaves que vocês imaginam que são interessantes na hora de trazer essa mudança, na hora de trazer uma forma de trabalhar com dados. Tem algum ponto específico que vocês acham que faz sentido falar?
Darlan: Guilherme, eu acho importante o seguinte: as empresas que já nasceram digitais, já tem um mindset diferente, é uma coisa. Outra coisa são empresas, organizações como a nossa, que são “analógicas” digamos assim, [a digitalização] é um tema novo. Então eu acho que é fundamental você começar aos poucos, porque você vai criando massa crítica. A gente começou falando de coleta de dados e eu lembro muito bem nas primeiras conversas que nós tivemos com vocês. Eu lembro que ouvi o seguinte: “a ST-One não vai melhorar o seu processo, ela não conhece o seu processo, ela não conhece o seu negócio. Nós vamos dar para você os dados”. Isso era muito claro para a gente. E como é que isso vai melhorar o nosso processo? Isso não vai melhorar. Isso vai dar visibilidade através dos dados. Acho que esse é o primeiro passo. E até nós dois temos importado outras ferramentas, que só se tornam possíveis porque a gente fez isso: A gente preparou o terreno para a coletividade, para entender dados e dar valor ao dado. Acho que a primeira coisa importante é a gente realmente começar a dar valor ao dado.
No mundo de hoje não faz mais sentido ser diferente. Então, é quebrar esse paradigma da nossa experiência – o que eu sei, o que eu aprendi. Isso tem que ser quebrado. Então, eu entendo muito que o segredo disso é começar aos poucos, numa jornada bem clara. Primeiro, eu vou coletar dados, e vou trabalhar dados, e eu preciso formar pessoas com esse conhecimento, entendendo o negócio e também dados, para você evoluir. E a partir daí você pode trazer outras ferramentas. E elas virão. Naturalmente você vai pedir por elas. As pessoas vão pedir por elas. “O que eu faço agora para melhorar meu processo?” Essa ferramenta me trouxe até aqui, daqui para frente eu preciso de algo mais, diferente, diferenciado. E isso tem que acontecer em uma velocidade. Com pessoas – e eu não tô dizendo aqui que são pessoas novas – tem muitas pessoas que já tem muita experiência de vida, mas são totalmente abertas para isso aí. Você colocar ela dentro disso e elas abrem os olhos, se interessam, atuam, ficam assim, com outra “vibe”. Fica diferente até para trabalhar. Isso a gente vê muito, né?
Então, acho que o segredo é caminhar aos poucos para construir, é degrau por degrau para seguir com velocidade depois.
“E a gente vai construindo essa relação com eles, que é muito legal, porque o pessoal começa aos poucos a perceber o valor da ferramenta. “Poxa, mas eu não consegui enxergar isso antes. Agora acontece um problema às 3 horas da manhã e eu já consigo entender”. Mesmo chegando às 7 da manhã na fábrica, a gente consegue entender melhor porque tem o dado ali, a rastreabilidade, então fica tudo muito mais fácil.”
Interpretando a informação.
Guilherme: Eu acho que você tocou num ponto bem legal aqui. Um dos benefícios de trazer essa forma de pensar e essa forma de agir, tomar decisão com base em informações precisas, confiáveis, que é a parte do convívio até entre as pessoas. Então, um dos termos que se fala bastante hoje é “ESG”, né? Se a gente for falar de meio ambiente, é até mais palpável, tangível, entender como que dados podem trazer impacto nessa parte, por exemplo, com redução de energia, melhoramento de eficiência energética, redução de emissões. Mas um ponto muito importante é na parte de governança também. Eu imagino que a partir do momento que você começa a trazer decisões utilizando os dados para direcionar o negócio, para guiar o caminho, com relação também aos gestores, a possibilidade de trazer transparência para todo mundo e quantificar os motivos e as razões das decisões, é um ganho muito legal também. É um efeito colateral quase, mas que é tão importante quanto na hora de gerir uma equipe.
Carlos: Fazendo um comentário sobre a fala do Darlan e a sua também, a gente entendia que precisava da conectividade. Isso notório, aconteceu na GME, está acontecendo em outras unidades do grupo. A gente comentou a questão do engajamento da liderança. Eles construíram os dashboards com a gente. A gente levava para eles, com pessoas que sabiam construir os dashboards, “o que você precisa?”, “qual é a variável de processo que você gostaria de monitorar em tempo real?”. Então, quando você torna a liderança parte do processo, você naturalmente começa a engajar a liderança, porque ela vai dizer para você, “põe a temperatura da zona 2 do forno no XYZ”, aí você vai lá e põe, daqui a pouco você volta já com o dashboard pronto e mostra, “olha, está aqui o histórico da temperatura da variável que você emitiu, isso aqui te ajuda a monitorar o teu processo e conduzir esse assunto com a sua equipe se tiver alguma anomalia?” “Ajuda! Puxa, ajuda para caramba. Eu não tinha essa visibilidade”. Então, você traz uma visibilidade pela coleta do dado que a pessoa que lidera aquela área enxerga valor.
Essa é uma forma que a gente percebeu claramente que é um engajamento que acontece naturalmente. É inegável que o cara vai dizer pra você “poxa, isso aqui está muito melhor do que antes”. Porque antes eu tinha que ir lá na área, perguntar como é que estava. Daqui a uma hora eu voltava lá ou algo parecido com isso. Hoje, a gente inclusive otimiza o tempo da equipe. O cara [operador] vai na certa. Ele vai no local onde tem uma anomalia já sabendo daquela anomalia, porque ele tem a informação na palma da mão. Outro dia a gente foi conversar com o coordenador de biscoito. Entrei na reunião lá com ele, ele estava com o tablet na mão, e estava olhando o Grafana, o dashboard em tempo real do que estava acontecendo na linha. Então ele passa a ter uma visibilidade fantástica e isso, para a gente, é legal.
Guilherme: Você começa a ter menos downtime, menos tempo de parada, menos porque você já tem a boa parte da informação na hora de resolver um problema.
Carlos: O tempo de resposta hoje é reduzido. Você consegue agir mais rapidamente para, de repente, evitar que um problema persista. Isso trouxe um ganho para a gente bem legal.
Guilherme: E você tem estatísticas de quão frequente eles ocorrem e o que eu posso fazer para evitar que eles aconteçam no primeiro momento.
Carlos: Inclusive, para quem é da qualidade, a gente começou a colocar PPK, CPK… você começa a ver o teu processo com um olhar de qualidade, variabilidade, controle estatístico, que você começa a coletar esses dados e formar uma massa que te dá uma informação bem interessante. Isso para a gente foi muito legal nesse processo.
Darlan: Reclamações de consumidores dos seus produtos, produtos com defeito por exemplo, você pega essa base de dados toda que você tem, você faz o link desses defeitos com uma etapa do seu processo e você começa a identificar onde que você tem problema no seu processo. E com o acompanhamento dos dados, você começa a controlar de outra forma o seu processo. E ao invés de ficar sempre atuando de forma reativa na qualidade, quando chegar uma reclamação e checar o que aconteceu, você trabalha de uma forma totalmente produtiva. Isso muda completamente a forma de trabalhar também do ponto de vista de qualidade.
Guilherme: Eu lembro de um case em que aconteceu em que um parâmetro que, até então, você sabia que era importante mas não estava sendo monitorado no processo, causou um problema no produto. Não sou especialista em margarina aqui, não vou nem tentar explicar por que senão vou passar vergonha. Mas para quem acha que fazer margarina é fácil, não é. Eu tive uma horinha ali [na linha de gorduras especiais] e é complicadíssimo. Mas me recordo de um problema, se não me engano, de temperatura ou de alguma coisa na cristalização (que um controle de como isso acontece) e você poder ter essa visibilidade e garantir a qualidade do processo e evita que você vá ter um problema de qualidade mais para a frente.
Darlan: Você enxerga diferente o seu processo. E você o enxerga com muita informação. Porque você coleta um dado a cada 3 segundos. Você não olha de hora em hora, por exemplo. Você tem muita informação. Então esse monitor é totalmente diferente. Além das vantagens que a gente tem: A gente tá aqui conversando, eu tô olhando [o dashboard] agora e sei onde está o BAR [nível de pressão] do desodarizador lá na fábrica. Estou vendo no meu celular, né? Então a gente tem essas vantagens.
Darlan: (…)Na área da refinaria que nós temos, tem um equipamento, um desodorizador que tem 40 metros de altura e teve umas 40 variáveis no processo. Quando a gente tem algum problema naquela planta, o operador tem que subir, descer, procurar algum vazamento, alguma entrada de água. Era uma caminhada do jeito mais arcaico: pegar o espuma com o sabão para botar em algum ponto, ver se tem algum vazamento, entrada de ar e tal. E a gente tem que se deparar com situações como essa agora. E o que acontece? A gente vai para a sala de controle, fica todo mundo olhando as variáveis, checando e aí sim, pode olhar tal lugar, por exemplo. Então, o benefício é muito grande para esse pessoal de operação. Tem um exemplo muito bom de troca de calor de manutenção, que a gente tinha um problema recorrente e o problema estava no processo. Não era um problema do equipamento, era processo. Na medida que a gente enxergou, através da variável, o problema que a gente estava tendo, a manutenção atua muito mais precisa e nós, assim, resolvemos o problema. Os mecânicos agradecem isso, porque eles ficavam o tempo todo indo e voltando com chave e ferramenta para lá e para cá, e reduziu muito a atividade deles, por conta disso, porque eles são muito beneficiados, os operadores são muito beneficiados, manutenção, tudo mais. E isso é muito bom, porque você tira esse esforço das pessoas, o esforço para se cementar, eles vão aprender, vão estudar, é outro tipo de operador, né? Vai usar muito mais a cabeça, a mente, o pensamento do que a força, às vezes, né? O esforço físico.
Perguntas da audiência
Quais dicas práticas vocês dão às empresas que estão iniciando esta jornada?
Carlos: Acho que é uma boa pergunta. Isso é uma coisa que a gente levou muito em consideração na hora de decidir. É importante você entender o que é o seu negócio, qual é a dificuldade que você hoje tem no seu negócio. Tecnologia tem muitas por aí, a de vocês é boa, mas quando você traz a tecnologia associada a um problema de negócio, a gente tinha um problema que se chamava apontamento manual, a “síndrome do retrovisor” que eu mencionei no início da live. Isso era um negócio que incomodava, porque [havia] muita gente fazendo apontamento, formulário, não sei o quê. Então, quando você faz uma coleta de dados, você começa também a minimizar o uso de formulário. E o apontamento manual deixa de existir, o dado já é coletado automaticamente. As pessoas que estão no front, no chão de fábrica, elas começam a fazer outra coisa, a analisar dados, por exemplo, elas não faziam isso antes porque não tinham a visibilidade que a gente conseguiu propiciar para elas.
Então, quem está no início da jornada, a minha dica seria: avalie o seu negócio. Onde você tem uma dor no seu negócio, que você entende que o dado poderia te ajudar a resolver essa dor? Porque você vai eliminar um gap no seu negócio. O seu negócio pode mudar de patamar. O que aconteceu na GME, para mim foi notório. O pessoal começou a usar a ferramenta, começou a ver valor e hoje a GME, o dia a dia deles mudou. Como a gente também tem um dia a dia diferente do que tinha há 10 anos atrás, [por exemplo], você não tinha um smartphone com 500 aplicativos, então a gente se adaptou ao celular. O que a gente está se propondo a fazer aqui é se adaptar a essa nova realidade, protagonizar essa nova realidade, não seja uma testemunha dessa nova realidade e adere com a gente a essa nova realidade porque a gente só tem a ganhar, né? Com a coleta do dado, com a visibilidade que o pessoal não tinha, isso muda a sua rotina, o seu trabalho passa a ser diferente, então a dica que eu dou é essa.
Quais são as estratégias para conseguir o engajamento das lideranças para essa cultura de tomar de decisão? Quais são algumas dessas ferramentas, tanto do ponto de vista corporativo, quanto do ponto de vista fabril, que poderiam ser usadas para engajar e convencer as pessoas no poder à investir nos esforços necessários para trazer esse benefício?
Darlan: Eu tenho uma opinião sobre isso e eu até brinco com a situação eu falo: a Netflix não precisou convencer você a deixar de ir na locadora pegar um filme, um DVD, um BluRay. Quando você ligou a televisão e pôde acessar pelo aplicativo, naturalmente, a locadora deixou de existir. Porque era benefício. Da mesma forma o Uber quando surgiu, não precisou fazer propaganda, nem ficar “use o Uber e deixe o taxi”. Não precisou. Você teve acesso ao aplicativo e você vai usar. Então eu vejo assim: tudo que você percebe valor e facilita a sua vida, você adota. O desafio, talvez o grande exercício, é mostrar para sua equipe, para as lideranças, os benefícios que estão embutidos ali. E discutir isso com elas de uma forma muito clara. Isso é o que é importante. “Isso traz alguma coisa ruim para a operação ou para você?”. “Quais são os benefícios que você vai ter com isso?” Isso serve para todos. Para a [equipe de] operação – porque no final das contas uma operação que for “na redonda”, com controle de processo, com maior número de funcionários, com dados coletados, é quem mais se beneficia.
E talvez o que tem que se trabalhar é na cabeça de algumas lideranças, para que entendam o seguinte: “a partir do momento que os dados estão disponibilizados o conhecimento vai para todos e aí eu perco meu poder”. Porque isso é algo fora de propósito no dia de hoje. Em alguns momentos isso existe, para algumas pessoas isso existe. E quando acontece, tem momentos que você tem que ser mais direto, mais duro. E não cabe mais esse comportamento. Então, você cria um movimento que a maioria vai, que a maioria quer, que a maioria adota. Mas tem gente que não quer nunca. As pessoas que não querem, elas não precisam estar com a gente. Eu acho que isso é muito claro. Mas o importante é isso, é o convencimento através disso. Isso é bom para todos, isso é melhor para todos, por que não?
Carlos: Ainda complementando o que o Darlan falou, acho que é legal mencionar. Hoje de manhã tivemos um evento aqui na fábrica Fortaleza, a gente teve um evento com gestores industriais. E a gente mostrou um pouquinho do que estamos fazendo não só com vocês da ST-One, como outras tecnologias habilitadoras que a gente está começando a usar. Então tem outros projetos de 4.0 que a gente está começando a implementar. E uma coisa começa a falar com a outra. Então assim, eu coletei o dado hoje, amanhã já entro com outro software para fazer malha de controle. Daqui a pouco eu começo com um projeto da manutenção, de coleta de dados, de sensores que estão em campo. Esses dados sobem para uma plataforma, que sobe para o Grafana da ST-One e uma coisa começa a misturar com a outra. Daqui a pouco, eu venho com outro projeto, que é outra tecnologia habilitadora de dados. Então, esse historiador de dados também fala com o MES, e o MES também tem a ver com o projeto da coleta de dados. No final, a gente tem algumas plataformas que convergem para soluções que visam melhoria de produtividade, redução de perda, reduzir custo de transformação, que isso também nos ofende aqui no custo de transformação por reais por tonelada, que a gente trabalha. A gente não vende automóvel, a gente vende biscoito, a gente sabe disso.
O produto que a gente vende, ele tem baixo valor agregado. Então, a gente precisa trabalhar muito no CPV, no controle do custo de transformação. E qualquer ação que a gente tomar, que seja benéfica em termos operacionais, ela é muito bem-vinda. A gente está sempre buscando outras tecnologias complementares ao que a gente fez com vocês. Não vou nem entrar muito no detalhe aqui, mas é um negócio que a gente em 2023 vai perseguir. Com essa massa de dados, eu já posso começar a pensar em Machine Learning, em IA, em modelo de predição, de prever uma variável no futuro. Então, isso é um negócio que está no nosso radar para o ano que vem a gente colocar isso em prática. Por quê? Porque você já tem dado. Então, você começa a ir para um outro patamar e quem conhece a indústria 4.0, aquela escadinha, você começa a subir a escadinha. E é o que a gente vai buscar, porque a gente agora já está começando a ter mais maturidade no processo.
Quanto é importante para a organização o cruzamento de dados entre áreas?
Darlan: Posso dar um exemplo bom, que o Simões sabe bem. Nós temos na unidade todos os nossos históricos que a gente monitora. Então eu sei aqu,i agora, em todos os tanques que eu tenho que eu mando para as fábricas, os produtos que tem lá. E nas nossas fábricas de biscoito também tem tancagem com o produto. Então a gente faz reuniões com a logística, que eu mostro na tela o que eu tenho na minha entancagem, para fazer a distribuição, para fazer a logística de transferência. E o que a gente tem feito, trabalhando com o Simões, é por exemplo, colocar nessas fábricas todas, pelo Brasil a fora, a mesma informação. E a gente saber, por exemplo, a logística o que eu tenho na fábrica de Fortaleza, o que tem na Bahia, o que tem em Bento Gonçalves, o que tem em São Paulo, e planejar de uma forma mais adequada possível essa transferência de matérias primas. Então, eu acho que essa integração faz toda a diferença.
Carlos: O que o Darlan está falando, uma vez eu fui na GME [Ceará] para conversar com ele e com a equipe, e eles me falaram, “por que que você não põe um controle de nível que a gente consiga enxergar em tempo real como é que está o nível do tanque na Piraque do Rio?”. Porque eu por aqui, sei se eu tenho que mandar a gordura do recheado ou não, do biscoito recheado ou não. A gente fez isso, acabou de instalar na Piraque do Rio um módulo da ST-One, para que eles pela GME consigam ter uma visibilidade. Então para a logística, se você vai mandar o caminhão hoje ou amanhã, você toma a decisão olhando o dado. Se o caminhão vai para a estrada agora – porque de Fortaleza para o Rio, são 3 mil quilômetros – não é daqui ali na esquina, é uma distância significativa. Esse processo de intralogística é muito verticalizado, a empresa é bem verticalizada, tanto na farinha quanto na gordura, isso ajuda bastante. A gente quer avançar nisso também, para que a planta destino também forneça a informação para a planta origem, e passe a ter uma visibilidade de estoque, de tudo mais. Isso otimiza muito o teu o supply chain, fica bem mais interessante.